Reminiscências
Jairo Ferreira Machado
Quando
ela ia embora deixava um laivo de esplendor feminino que muitos dias depois parecia
estar ali, entre nós, como o seu infindável cio; ainda que ela viesse e ficasse
apenas um fim de semana. Aqueles olhos negros e graúdos, a voz macia, a tez
morena e os cabelos compridos pretos escorridos pelos ombros, a preciosa
covinha da maçã esquerda do rosto quando sorria e os lábios rubros e belos,
como estivessem sempre pintados - um batom ruge-natural, que não requeria
retoques.
Na
boca a alvura dos dentes e no rosto o queixinho de uma santa; mas seria uma
santa de pau-oco, pois bastava um piscar de olhos que a todos estonteava de
malícia e corríamos para o milharal a abraçar uma touceira de milho, no
premente desafogo. Era a solução. Mas isto mesmo é que nos colocava mais reféns
de sua beleza: se não na precisão do contato físico, na força do pensamento.
Viajávamos
pelas minúcias de seu corpo, só na imaginação de como seria ela, nua - quando
se ensaboasse na hora do banho – o sabonete escorrendo por sua pele, que era a
nossa própria mão acariciando-a, e os nossos lábios naqueles lábios, outras vezes
os engolindo, de fome dela, de adentrar o inteiro daquele corpo ou furtá-lo
para a nossa saciedade particular, claro, melhor seria com a aquiescência dela.
E
todo aquele frenesi que a acompanhava, conquistando os nossos corações.
Olhe
que nem falei dos seus seios, e os hirtos mamilos empurrando a sua blusa de
seda, projetando duas soberbas pirâmides que eram as coisas mais lindas que
ainda me lembro - eles fartos no decote da blusa - o primeiro botão ali sempre
desabotoado, só pra judiar da gente.
Gostava
que a olhássemos, assim, olhudos, imaginando-os nus e nossa boca os abocanhando
e nosso rosto tocando a suavidade deles, era só de se iludir, e depois se
abraçar ao travesseiro e chorar...
Dias
depois ela partia, deixando conosco um laivo de alguma coisa que se chamava
paixão, que ainda persiste imorredoura, não sei quanto tempo faz, é claro,
agora já sem aquela lucidez e a tentação de antes, apenas no pensamento. Se
muito sabemos é como ficamos depois de todos esses anos?
E
o quanto a nossa carne mudou os nossos planos, os nossos sentimentos, e aquele
corpo pulcro, esbelto, que nunca sai de nossa mente, está agora, descaído, sem
os predicados de antes, e nós aqui, pelancudos também - postamo-nos diante do
espelho e vemos que o tempo passou. Mas não custa relembrar...
Aquelas
coxas lisas, roliças e morenas que a bainha da saia curta - própria da ocasião
- deixava escapar para o nosso deleite, quando ela rodopiava a ciranda de roda
no terreiro de nossa morada, lá na roça. A lua banhando de prata as folhas dos
mangueirais e das amoreiras, e depois, as lembranças que ficavam dela, o brilho
daqueles olhos brincando com a lua, brincando com a gente, tanto, que não
conseguíamos dormir à noite.
O
tempo foi cruel, sim. Tanto para ela, que garanto também sofreu, pensando em
nos abraçar, beijar a nossa boca sedenta dela, e até mesmo fazer amor conosco.
Mas
isto foi muito antigamente.
Coisa
que os namoradinhos de hoje, os internautas, escreverão noutro momento - muito
mais tarde -, olha aqui seu velho - esquecendo que igualmente seu tempo passou
- também temos histórias, mas fomos às vias- de - fato, sem paixão, sem
sofrimento a sós, muitas vezes sem a imaginação de vocês, é claro, e sem a
ciranda de rodas, sem touceiras de milho, sem a presença do prateado da lua.
E
foram tantas elas, que nenhuma nos ficou na lembrança.
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