Despedida
As ondas vinham bater na praia, nas areias, onde sucumbiam em derradeiro e fatigado murmúrio, quase de não se ouvi-las; era o início de um silêncio, preservado ali nas memórias de uma história de amor. Agora, um amor sem o clamor de antes; amor, de só se imaginar...
Foi no ano que passou ou muito para trás, na adolescência, por quase uma vida inteira, ele se lembrou com o direito de não mais saber os detalhes. Afinal, já tinha os cabelos brancos, as pernas cansadas, a respiração sôfrega. Somente o meigo rostinho dela e o brilho daquele olhar, duas preciosidades, cintilantes, nadavam em seus olhos.
Preguiçosamente, as ondas vinham e voltavam. Ouvia aquele cicio sem fim em consonância aos gemidos dela, aos pedidos: que nunca ele esquecesse aquele momento(nem necessitaria pedir).
Entardecia e o sol, solitário se despedia no horizonte, apagando-se, como uma bola de fogo, nas distantes águas do oceano. Naquele dia em que lhe deu o primeiro beijo. Podia ainda sentir o calor daqueles lábios, nos seus, agora envelhecidos e já perdido o brilho de outrora.
Lágrimas brotavam de seus olhos e se misturavam às águas do mar. Pouco ouvia o murmúrio em volta, os ouvidos quase nada escutavam. Tudo parecia muito distante; lá no infinito as intermináveis horas.
Como a vida é passageira, pensava, tal as ondas que se vão e não voltam mais. No mar adentro. Nas profundidades. Pediu que colocasse ali - nas águas rasas da praia - uma cadeira; ajudaram-no a sentar-se, permitindo que as ondas o levassem e o trouxessem, de volta: um anunciado resquício de vida, diminuindo a cada instante.
As ondas tocavam seus pés e suas mãos; elas diziam qualquer coisa, com as quais já não atinava; nem seu corpo lembrava. Somente seu coração, quis galopar; mas já não tinha forças. Mais um pouco, queria ver as nuanças das águas e o sol se pondo, mas todas as coisas bonitas de antes estavam escondidas atrás de uma cortina chamada senilidade.
Trouxe até os lábios a mão molhada; pouco sentiu o sal, ou nada sentiu. O sal daqueles tempos salgando os doces lábios dela, onde ele, moço ainda, se embevecia. As ondas vinham e voltavam, massageando seus pés, querendo que ele lembrasse.
Além, ou mesmo perto, os piados agudos das gaivotas, como sombras voando ao redor. Muitas pareciam de passagem, outras, querendo permanecer à espera dos peixes que os pescadores traziam do mar.
Muito longe, sentia o cheiro da maresia.
O que o tempo lhe tinha feito, de tão ruim? Mesmo disso, não se lembrava. Mal e mal percebia o mar, o sol, o entardecer. Longe, na memória, o corpo macio de uma jovem de olhos azuis; isso, ao menos, ele não podia esquecer. Estava sorrindo, quando deu o seu último suspiro ali mesmo e ninguém viu.
À beira mar: as ondas vinham bater na praia, nas areias, nos seus pés.
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