Ao cair da noite
Jairo Ferreira Machado
Não era exímia no exercício da sexualidade, mas aquele afobamento dele, não condizia com as conversas de sua avó; mal, mal foi penetrada, e ele envesgou os olhos; nem havia se aquecido e ele já recolhia a ferramenta; mantivesse-a empinada ainda, vá lá, mas não, afrouxou-se: serviço pronto e acabado. Virou-se de lado e dormiu.
E ela ficou ali, açodada, a ver navios... Só isso, quase perguntou? E não foi aquela a única vez.
Certo dia chegou lá o primo dele, veio de surpresa, rever o primo dos velhos tempos de solteiro; mas perdeu a viagem: o dono da casa estava em noitadas de folia de Reis; o recém-chegado já dava meia volta na montaria, quando ela argumentou – Esse cavalo está num amuo só. É melhor, apear, descansá-lo um pouco, enquanto faço um café pra gente!
Por tais adiantamentos das horas a saracura já ronronava no brejo, procurando o seu galho; as galinhas e galos indo pro poleiro.
Ele sentou-se no vão da escada de entrada – ainda segurando as rédeas do cavalo – confabulando consigo, olhando as escadeiras firmes da jovem-mulher à beira do fogão, num propósito buliçoso, gingando-se pra lá e pra cá; não era boba, colocou a chaleira d’água em fogo-brando; pressa pra quê? Enche-o de perguntas, encompridou o assunto, para o entardecer passar depressa e a noite se revelar.
As cigarras já aos poucos, atenuando o tremeluzir das asas.
A cadela veio farejar seus pés; decerto, reconhecendo ali a vinda de um estranho. Ouviu lá dentro uma colher remexendo os fundos de uma vasilha e quis saber do que se tratava e desculpar-se dos incômodos, mas ela argumentou, é uma vergonha, não tenho nada de comer nas latas, o seu primo, quando souber que esteve aqui e não lhe ofereci nada, já sei, vou ficar mal debaixo dos lençóis; logo, logo o bolo estará pronto, ela disse.
E sorriu-lhe os lábios carregados de mimos. Bem, bem mesmo, debaixo dos lençóis, já não estava a tempo; e aquele ali, bem-apessoado, parecendo moço de novela, da cidade, condizia com os astros.
Uma estrela, longe, já apontava no céu. Que viesse a lua...
Ajeitou mais lenha às brasas. As suas, já em processo de incandescência. Escurecia; o curiango piou longe no caminho; o cavalo ali, já descansado; podia montá-lo e partir, mas e todo aquele zelo, aquele agrado, e o cheiro do bolo chegando... Deixa estar, vou esperar, não sou homem de desfeita, inda que eu tenha de viajar à noite.
Comeram o bolo, tomaram o café, já no lusco-fusco do anoitecer; longe, o uivo de um cão no cio. O curiango, vez e sempre, piava. Ela sorria, mostrando-se felicíssima. Saciado, ele quis levantar-se e partir; admoestou-o, no olhar e no dizer: não carecia: podia pernoitar ali.
Além do mais, a solidão! Havia a cama de solteiro; o primo, até o agradeceria pela companhia. O cão, agora uivava mais perto. A cadela se fazia inquieta, no terreiro.
A prima - prima mesmo não era - veio com uma toalha de banho, se desculpando pela água fria do chuveiro, trazendo junto um pijama do marido. Refrescado, ele se enxugava. Fique à vontade, ela disse, agora vou me banhar também, e se foi, as escadeiras em francos reboliços.
Ele não se agüentou e caminhou – na ponta dos pés – e encostou os ouvidos à porta do banheiro, desconfiado daqueles gemidos; ela se comprazia sob a água fria; mas não carecia, pensou.
Ouviu-se lá no terreiro um gemido esganiçado, seria da cadela, e já se soube do que se tratava. Era mês de cio. A prima saiu do banho enrolada numa toalha e foi direta ao quarto, dizendo, já, já, arrumo a sua cama; não carece, ele disse, e ela sorriu-lhe – não disse, mas pensou: tomara que não...
Voltou numa camisola curta, os seios nuzinhos por baixo, às alcinhas caídas pelos ombros, desprendida de qualquer decência. O coração palpitou-lhe forte no peito, e já se viu virtuoso, sob o pijama, que nem seu era – por isso, um pouco apertado. Coitado do primo.
A lua alumiava o terreiro, e lá, engatados, o casal de cães.
O clima, favorável. Como o primo deixava aquelas carnes para acompanhar folia de Reis, se perguntava, olhando lá fora a atmosfera luxuriante. O que você está olhando aí..., ela perguntou, mas não esperou resposta, olhou pela janela e viu com os próprios olhos, os cães como dois elos de uma corrente. Seu bobo!, disse, rindo, voltando aos afazeres, gingando mais ainda a escadeira, cadela, de toda, no meneio das nádegas e no merecido sentir.
Mostrou-lhe a lamparina e o fósforo, caso ele precisasse à noite. Não, não tenho pressa de dormir, nem sei se posso, dadas às circunstâncias, ele disse, esculpindo-a com os olhos, de cima abaixo. Ela sorriu.
Eu devia ter ido embora, não, por favor, fique... ela pediu, quase suplicante, com os lábios carregados de mimos. O alumio da lua acentuava-lhe o brilho dos lábios, impregnados de batom; batom, a essa hora da noite? Puxou-a para si e os engoliu, os lábios dela, naturalmente, os dois de tudo esfomeados, se engalfinhando.
Num segundo ele estocava, entre-lhe as coxas, o falo convulso.
Ela pareceu desfalecer-se. Acolheu-a nos braços e a levou pra cama, pra cama dela, naturalmente, os lençóis limpinhos, com dois travesseiros e fronhas perfumadas. Ela envesgou os olhos, muitas vezes, antes que ele envesgasse a sua primeira; gania, mansa, serenada, no consumir-se, tal qual a cadela lá no terreiro. No mais, a quietude da lua cheia.
Só então ele se lembrou do cavalo, e foi soltá-lo no pasto.
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