terça-feira, julho 19, 2011

Até quando o sabiá cantava no pé da laranjeira, era um fazer de conta...


Foi mais ou menos assim




Vivia ali pelos terreiros, trotando seu cavalo de pau; o cavalo era o cabo de vassoura, o cabresto era embira de guaxima, a vara era de amoreira, nem fosse muito de andar em companhia dos irmãos; sozinho, tinha mais imaginação. Tudo a volta tinha nome, e se não tinha, ele apelidava: pedra da lagartixa, toco da corruíra, pé de sabão. Vida, igualmente, as coisas tinham, mesmo a mais inerte pedra ou o mais insignificante toco de pau; e se não tinha, ele lhes dava vida.
Montava o próprio cenário, onde tanto era o personagem como um dos expectadores. O cavalo chamava-se Zorro e o índio, Xavante, que por sua vez, era o limoeiro.  Zorro dava seus coices por lá e de lá corria quando os marimbondos lhes davam em cima – então, jogavam-se ao chão, cavalo e cavaleiro, tentando se livrar das ferroadas. O menino espanava o chapéu pra todas as bandas, em incontidos corcovos, fazendo de conta; coisa de doido – e quem via, apostava que seria doidice sim, e das piores.
Entremeios a relinchos e gritaria levantavam poeira, emporcalhava-se, ele emburrava, xingava o cavalo, montava-lhe novamente, e saia coiceando a tordo e a direito; esporeava - era o próprio marimbondo.
Esbaforido, sentava-se, falava sozinho e dava bronca no cavalo; fazia de conta. O cabo de vassoura, ali ao lado - Zorro, pros íntimos; no caso, ele! Faziam as pazes. Montava e saia por ali, passeando, ele falando com as árvores, com as embaúbas, com as moitas em voltas, essas, as suas verdadeiras expectadoras.
Afora os gestos, fazia-se monossilábico: ator de si mesmo; exigente.
Em seguida ia aos afazeres. Os bois o encaravam, a égua parida olhava de soslaio, o poldro vinha pra perto da cerca – que diabo de cavalo é esse, empertigado de uma figa, mas sem orelhas e sem patas? E sem barriga. O menino fazia de conta, e passava altaneiro; príncipe!
E cantavam no bambuzal os flamengos, pretos, de peito vermelho marrom, uma monteira; sinfonia. Lá ia o menino. Vez em quando batia de esguelha no cavalo e esse, que era ele mesmo, corria. Mas quem apanhava era o cabo de vassoura; também não era tão otário assim, de se espancar!
O galo do campo cantava e voava, pras bandas do esporão de galo. Ele aboiava. As vacas, já de prévio conhecimento, vinham de descendo os morros, cada qual pegando a sua trilha, que mais embaixo se convergiam numa só, já perto do curral. Quando o cavalo ia diminuindo a toada, ele lhe batia de esguelha, e apertava o passo; porque não era tão otário assim, de correr muito; só quando precisava se amostra prá alguém.
A imaginação tinha limites.
E quando a vaca não tomava rumo certo, o antes cavalo, agora virava cacete; e pau na vaca. Depois, reconduzia o cavalo pra ali, entre as pernas, junto aos fundilhos da calça de cintura larga, pois herdara do irmão mais velho. Espancava o Zorro, e seguia a boiada: sempre corrigindo a toada. Havia de se chegar a tempo, pra ordenha, pros bezerros mamarem, que esses apartados, já desciam berrando de outro morro de pasto a sua frente – via-os com os olhos nas lonjuras – não faltava nenhum.
Já no curral, amarrava o cavalo perto do coxo; também o coitado, ainda que fosse pau, merecia um salzinho, depois de saciar a sede no açude. Era mais ou menos assim. Aquele mundo de fantasias.
Cedo voltava das imediações da horta onde cortava capim angola pro seu porquinho da índia, que ganhara não se lembra quando nem de quem. O bichinho ficava preso num cercadinho de madeira, e uns trapos de pano sobre os quais o indiano passava a noite, ele chegava com o molho do capim, colocava ali e saboreava o macio do angola, como se ele mesmo mastigasse o capim. O angola dançando de um canto da boca ao outro do porquinho da índia, igual à cana na boca da picadeira de capim, na época do tratamento do gado.
Aqueles olhinhos pretos do porquinho como sementes de erva-moura, as orelhinhas espantadas pra frente, o focinho avançado, fungava, comia, fungava, e agora era o menino que ia tomar o seu café com leite com um pedaço de broa de milho; feito o porquinho da índia.
Depois era à hora de colocar a mistura de cana picada com capim guatemala no cocho das vacas, jogava por cima uma poeira de ração de algodão modo dar tempero à guloseima, e ficava ali na cocheira olhando as bocas das vacas, um cocho ao lado do outro, umas glutonas primeiro roubando a ração da vizinha para depois devorar a sua, e outras visivelmente educadas, delongadas.
Batiam os cornos um nos outros, num repique uníssono como um folclórico mineiro-pau bovino; o chicoteio dos rabos nas moscas, nos mutucas e urinavam e cagavam - as merdas molengas verdes musgos capim.  De longe se sentia o cheiro de gado.
Saciadas elas iam devagar porteiras afora, o menino atrás, tocando-as; modo não se cansar tanto, montava novamente no cavalo de pau, enfiava na cabeça o chapéu de palha esgarçado da lida, em cima o qual, pousado, ia o galo do campo, altaneiro, cantando, piando. Vez em quando o pássaro voava até o pé de esperta e logo voltava; saudoso. O menino tinha à mão a minhoca e o agraciava da boa e invejosa companhia - não havia menino que não sonhasse com um galo do campo solto, cantando sobre sua cabeça, voando, e depois retornando.
Longe, o menino fechava a tranqueira, no ditado exato, porque muito antes lá nas Minas Gerais se diz tronqueira, mania de mineiro destroncar as palavras para não destroncar a língua. Deixou as vacas no pasto e voltou, o cavalo à rédea solta, só fazendo de conta – porque tudo nessa vida é um fazer de conta.
Até quando o sabiá cantava no pé da laranjeira, era um fazer de conta, por que o ninho não era ali, não era boba, criava os filhotes na mexeriqueira, entre os mil espinhos. Nos entreveros também era assim, o pai fazia de conta que ia pra direita e avançava pra esquerda, pegando o menino de jeito, e já trazia escondido debaixo da camisa, também fazendo de conta que não era nada, mas era: o reio. E batia. O menino fazia de conta que doía muito, e chorava.
A vida é um faz de conta.
Outrossim, vinham os sonhos – encontrar um pote de ouro, lá nos cafundós, onde caia a estrela cadente; assim, cadenciava-se a vida. Mesmo aquele bem-te-vi, no alto do angico, gritava – Olha o gavião! E era um Deus nos acuda, os anus se enfiam nas moitas como flechas, num agudo grito – Salvem-se quem puder. Nem sempre o gavião estava afim, só ia de passagem; mas vai saber...
Nesse particular, de fazer de conta, a chuva era a que mais pegava peça nos sitiantes – enchiam os olhos deles de esperança, engravidava-os de sonhos, e depois, não chovia; o céu abortava pra dentro. Quando então, os olhos deles viravam um mar de lágrimas, pra fora.
As lagartixas das paredes também faziam de conta que não estavam olhando e num golpe de língua gosmenta, pescavam longe o mosquito. Os olhos atentos do menino lá no fumeiro carregado de picumãs, onde se armazenavam as rapaduras; não era lugar de se ficar, mas a lagartixa branqueja andava por lá, às escondidas.
Tais quais os bichos do mato, lá nas cafuas, dava-se a imaginar.
As assombrações também sumiam de dia, e de noite reapareciam; o menino tinha certeza que via, jurava, apostava - sem nenhum bem, de fato, que afiançasse a palavra, só fazendo de conta.
Os vaga-lumes, vagabundeando no escuro, faziam de conta que eram olhos de duendes modo intimidarem o menino. E o menino acreditava. A estrela fazia de conta que caia pra mostrar ao menino um pote cheio de ouro, que nunca ele encontrava. Nunca ninguém viu. E foi nesse faz de conta que o menino cresceu.
O peixe-frito cantava.
O canto parecia ser numa árvore e era na outra, o menino ia lá e era na árvore de cá; descorçoava-se os olhos de tanto procurar. O gavião acauã também se escondia na copa das árvores, no mato, para melhor agourar; místico, anunciando a morte de alguém, e já o menino se benzia, para a morte passar – passa a morte, que estou forte.  Dizia, tocando em quem estivesse ali por perto.
Estes preâmbulos, por aí afora.
Antes que a vida cresça e deixa de ser criança; antes que aquele menino da roça jogue o seu porrete fora, a sua varinha, por que todo moleque da roça carrega à mão uma arma de defesa ou ataque; defesa de um cachorro dóido ou mesmo para bater num besouro, coitado, que atravessava inocentemente o seu caminho. Menino da roça, que é menino da roça, tem que ser mau. Impregna-se das próprias dificuldades do dia a dia: apanha da chuva, apanha do sol, apanha do raio do trovão, apanha da assombração, apanha por que não cumpriu a obrigação; apanha! 
Naquela vez, não interessa o dia, porque todos os dias isso acontece, é sagrado, sagrado mesmo não é, mas é habitual, o menino levava no embornal a farinha, o açúcar e a caixa de fósforos, e veio à tempestade, veio de entrona, cuspindo vento e pedras; às vezes cuspia fogo; se fosse ele, o menino, já tinha apanhado na boca – pra ser mais educado.
Brigar com quem? Com Deus? Por que não! Menino da roça briga com Deus a toda hora e a toda hora, é perdoado.
O sol esturricando, torrando os miolos do menino; era dia de céu desistido de chuva, azul claro de doer os olhos, de rachar lábios, o sol agora era aquele que cuspia fogo, labaredas. Era um alto de morro; morro também é coisa de Deus. Nem sombra de nuvens, nem sombra de árvores e longe rasteiro tremulava um fogaréu no caminho, o chão se incendiando? Perguntava-se, já sabendo a resposta.
Menino da roça tem respostas pra tudo, e se não tem, faz de conta que tem. A vida é um faz de conta; fazia de conta que era Deus.
Sobre as nuvens, se escondia dos raios. É tão bom olhar as coisas, de cima pra baixo. Assim, na imaginação, sentia-se Deus. Deus era poderoso, barbudo, e mandava em todo mundo; tinha mais forças que o Diabo – o Diabo só tinha mesmo um inferninho, um lugarzinho de nada, onde todo menino da roça passa uma temporada; não tem escapatória: menino da roça anda com um embornal de pecados – peca no pensamento, no ato, na omissão.
Pensam nas meninas – fazendo de conta. Quanto às omissão, menino da roça não se omite. Só diante de alguma assombração, mas isso não é pecado; faz parte da escuridão da noite, que Deus mesmo criou, para fins não muitos bem explicados.
Montado no cavalo de pau fazia de conta - era rei, domador, alteza, senador. Garboso, empáfio. O cavalo era alazão; nunca pangaré! Pangaré era o cavalo do outro, que comia grama e era cheio de carrapato. O seu comia ração e tinha pelo liso, macio. A cela brilhava longe o couro, as argolas reluziam, as fivelas eram folheadas a ouro, as rédeas eram o puro curvim, o freio... bom, não existia freio, o cavalo o obedecia - era rei!
E por mais um pouco, seria Deus...
O cavalo um gentleman, ajoelhava-se frente às damas, saudava-as, fazia reverências. Também o cavalo fazia de conta.
Mesmo aquele dia, não se lembra a data, era uma amanhã, o menino comia o seu prato de comida e veio o gato, num pulo só, rasgou o peito de seu galo do campo, que se deitara ali ao lado, com as asas abertas esquentando-se ao sol, depois de saborear alguns grãos de arroz, que ele, o menino, atirara ao chão de propósito.
Todos os dias era a mesma coisa, ele chegava, abria a porta da gaiola e o galo do campo vinha alegre, almoçar também. O gato sempre por ali, fazendo de conta; gato faz de conta que é amigo, e de repente, creu, mete as unhas.
Gato atraiçoa, não é igual ao cão.
Viu o galo do campo morrer ali, em suas mãos – o coraçãozinho, pequenino, batendo devagarzinho, lá no fundo do rasgo do peito.  O gato já tinha corrido; gato sabe quando faz coisas erradas; desapareceu, escafedeu-se. E o menino nem foi atrás, fazia planos, fazia de conta. Não muito tempo depois, o gato apareceu defunto. E aquilo foi um mistério; pergunta aqui, pergunta ali, ninguém sabia como o gato batera as botas.
Três anteontem. Era antevéspera da lua cheia, de noite, apareceu por lá um gambá, e comeu alguns ovos que a mãe esquecera-se de recolher do ninho, de véspera. O menino sabia que gambá cria mal costume fácil, e bebe pinga. Ele ajeitou lá no chão um prato de cachaça, de véspera. O gambá pensava, como qualquer gambá de botequim: primeiro vou de pinga para arredar a poeira da goela e depois, vou de ovo?  Amanheceu caído do poleiro, banzo, banzo. O ovo lá no ninho.
Nem carecia judiação, mas vai dizer isso pra menino da roça; ele pegou o coitado e ficou atazanando, de varinha, que o couro do bicho encurtava-se em circuitos de neurônios, gemendo chim... chim... chim... a bem dizer, o gambá pedia misericórdia. O menino concordou, fez de conta, e mandou o cão arrastar, pra longe dali.
Menino da roça também ama.
De certa feita, aquela era uma menina, uma rosa de beleza, uma açucena de perfumosa, e tinha muitos cachos nos cabelos loiros dourados e os olhos de céu. E muita meiguice no rosto. Corria a receber a latinha de dois litros de leite, que ele, menino, trazia lá da roça; de vaca escolhida, somente pra ela. A jovem agradecia. Mas não precisava; nunca precisava! Bastava olhá-lo nos olhos e os olhos dela já diziam tudo. Seus lábios eram rubros, e se riam, acentuavam sua beleza que tampouco cabiam na alma do menino.
Mas um dia ela se foi.
Disseram que foi pro Rio; todos os rios são imensos, e correm para o mar - o mar dos olhos dele. De repente, não houve mais primavera. Só folhas mortas de outono. Para muitos os dias seriam claros, mas para ele, era a mais pura escuridão. Porem, menino da roça, não tinha muita opção, continuou vivendo, fazendo de conta. Contando as horas, contando as noites, ouvindo o tic tac do relógio de parede. Que no silêncio da roça, badala tão alto quanto sino de catedral.
Vai-se em frente; não há tempo pra moleza – sobrevive-se. Menino da roça sobrevive-se a tudo: cura-se de tudo. Se corta o pé, mija-se em cima; se cai e fica escadeirado, continua em frente, corre que logo as juntas se encaixam novamente; se dá uma topada, xinga-se, nem olha pra trás; se tem medo, põe as pernas pra correr. Se for vaca pegadeira, sob na árvore, e mija nos cornos dela. Ou então se vaza por debaixo do arame farpado que nem gato do mato.
Menino da roça é arisco.
Foi assim naquele dia, que não era dia, era noite, ele brincava de pique de esconder, ali pelo terreiro, lugar onde se esconder é o que não falta na roça. Enfiou-se entre uma montanha de palhas de arroz e ficou lá quietinho modo nenhum dos irmãos ou irmãs encontra-lo; o tempo passando. O tempo já parecia eterno, desconfiou, percebeu que já não tinha ninguém por ali e saiu correndo. Noite de breu. Também a assombração vestia uma capa escura, e corria atrás.
Caiu lá dentro da cozinha, esbaforido. O irmão mais velho se desfez da capa e foi uma gargalhada só – Sê me paga, seu excomungado, vai vê! Noutro momento, enfrentou, e sentou o pau na assombração. – Para mano, sou eu seu veado! - assim como na roça, um dia da caça outro do caçador. A mesmice de mil e um acontecimentos. 
E havia por lá um pé de coqueiro, não aquele já velho e oco, onde os melros se aninhavam, mas um altaneiro de folhas frondosas, em cuja casca recolhida do chão o menino deslizava morro abaixo, destrambelhado da breca; menino desconjuntado. Saia do atropelo, ileso, mas cheio de arranhões. Porém, isso era café pequeno; espanavam-se os capins dos ouvidos, da boca, punha o barquinho, de faz de conta, debaixo do braço e subia novamente o morro – para deslizar de novo.
Somente choramingava da ardência na hora do banho à noite. 
Mas moleque da roça se agüenta, na canadura, no osso, que esse, num encontro de canelas numa pelada, o tlac dói mais no ouvido que no próprio vergão da batida; pau-ferro que prego rejeita. Começa já sofrendo cedo, da dor de barriga, do buraco do dente, das nervuras dos medos, lembrarem que falo de uma época em que a dor se curava com outra maior – fazia-se de conta.  Punha-se um punhado de algodão com álcool no buraco do dente que esse fervilhava feito vulcão, via-se estrelas, e ia-se dormir; fazer o quê? Amanhecia-se com a cara entortada.
Noutro dia vai pro boticão. Senta-se à cadeira do dentista, e vem o homem com aquele agulhão, vê estrelas, e já não sabe se lhe arrancam só o dente ou o queixo também? E volta pra casa debaixo do sol quente. Mas menino da roça, não amua – chupa limão, come sal grosso; feito boi, pois boi, o menino da roça, já é um pouco. Efeito da convivência, os pés no chão, mas boi ainda se vale dos cascos, o menino vale-se do faz de conta; negaceia a vida.
A mãe diz que vai lhe dar um sapato novo no mês que vem; até lá usa o do irmão mais velho, que herdou do outro irmão mais velho que ele; e vai-se fazendo de conta, deixando pro ano que vem, depois da colheita; claro, caso São Pedro não se esqueça de mandar a chuva; na roça, o que mais se faz é esperar – espera-se a chuva, espera-se o florir, o frutificar, e espera-se a colheita; que nem sempre vem. Vem a desilusão.
Essa, não se precisa esperar, ela virá do mesmo jeito – mais cedo ou mais tarde. Até lá se faz de conta.
Espera-se trabalhando. Anda, corre, acredita-se que algo vai a coisa vai mudar, vai acontecer; reza-se uma prece, acende-se uma vela, reforça a tramela da porta, pro caso de vir chuva forte, manda-se fazer os balaios para a colheita que virá; o balaieiro está lá esperando.
Tem-se que acreditar. 
O menino já aprendeu a ler as nuvens; a lousa do céu. Pode ser que haja lá uma receita de chuva, nuvens no formato de rabo de galo, é chuva para alguns dias depois, ou um castelo se levantando grosso e turvo, é chuva pra hoje. Mas também pode ser que não!
O céu também às vezes faz de conta; encrua. Menino também encrua e fica de cabelos arrepiados, como num durável medo, feitos galhos secos de plantas em terreno infértil, sem seiva, carente de sais minerais, carente. Vê-se nos olhos. A vida fazendo de conta.
Vem a chuva e o menino sai a chutar a enxurrada; água benta - uma benção. Pétalas de flores caindo do céu. Gotas de firmamento. Um sorriso estampado no rosto. O cheiro do barro. O menino quer escorregar, cair, atolar-se, plantar seus pés no chão. A chuva se mistura as suas lágrimas, lágrimas de contentamento.
Consolação.
Logo depois o milho se emboneca, pendões de esperança – o gosto da espiga assada, na boca; as touceiras espirram seus cachos, se fazendo arrozais; mais tarde as várzeas se cobrem douradas, colheita boa, paióis e tulhas cheias.  
Chega o frio. É junho.
E o tapete róseo roxo do capim gordura compõe com o gado um cenário de abundância – os baldes cheios. Queijo, coalhada, bem-aventurança. Porcos grunhindo no chiqueiro, o terreiro cheio de galinhas e pintinhos; uma ninhada de ovos de galinhola. Há um menino olhando, admirado, de cima do seu cavalo de pau – pena que não é sempre assim!

Bate de esguelha no cavalo de pau, pega a estrada e vai embora.    


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