Uma árvore chamada sombra
Ele passava pela gente ali no chapadão; vinha montado num cavalo pedrês de marcha mansa e um tanto suado; o cavalo, naturalmente. Ele, às rédeas soltas, despreocupado. Não! Fosse assim, não seria ele, pois poucas vezes não andava sisudo! Queria sorrir, mas achava que não devia, para não abrir o coração escancaradamente, para nós – moleques arteiros, filhos seus, sempre na precisão de um corretivo. Ele ali, as botinas firmes nos estribos – vai que daí o cavalo passarinhasse...
O índigo céu dos seus olhos, cobertos parcialmente pelo chapéu panamá. Caia-lhe bem a montaria; não era sela, era um arreio, simples, revestido por um coxinilho branco, onde pousava a sua bunda de sultão. Corpulento, alto, cordato em si. Um toco de cigarro de palha, já apagado, preso aos lábios, como quem nem soubesse por quê?
Batia os olhos na gente, cavoucando, como quem quisesse achar algo censurável; e de fato, sempre achava: moleque da roça, não é flor que se cheire. Passava um sermão e continuava o caminho, o cavalo esbaforido, soltando ventosas na nossa cara, a cada esporeada que levava no sovaco. Iam como um navio caminho afora, deixando prá trás um amarelecido nevoeiro.
De cá, também xingávamos, pensando: dai-nos um cavalo desses, que o mundo fica colorido. A seriema cantava, nos altos dos morros; talvez, tivesse encontrado uma cobra e chamasse o companheiro para também banquetear-se. O anu branco, choramingando doidamente, corrido de gavião, voava atabalhoado e se metia na moita de esporão de galo; foi por um triz...
Na árvore chamada sombra, a gente descansava; ventava ali uma particular brisa, a amenizar a nossa exaustão. Jogávamos pedras nas lagartixas, descansando, vez em quando, o olhar no beija-flor pousado num galinho próximo da gente; inocente, inocente... Não fosse pelas bênçãos que diziam ter aquele iridescente ser, decerto, logo sucumbiria sob a força de nossas pedradas – quem atira pedra em beija-flor terá a mão seca, mamãe vaticinava.
Os nossos embornais jogados pelo chão. Nossos pés sujos de poeira, como pés de pavão. Cuspíamos a pouca saliva, de cor tinta-tijolo, os olhos envoltos de barro vermelho; resultado, em parte, da poeira que o cavalo dele ia deixando pra trás; o chão abrasador, coberto de pó; mais pro fim do ano, eventualmente chovia, o que era sempre uma festa – a gente saia de casa para chutar a enxurrada.
Fazíamos a mesma coisa, se a chuva nos pegasse de surpresa, na estrada; a ventania vinha fazendo estragos, mas arrancava de nosso peito um oceano de satisfação; os pingos iam desvestindo o manto amarelecido que cobria o inteiro da vegetação; dali uns dias o verde, alvissareiro, brotaria das entranhas da terra.
Chegávamos em casa e mamãe corria a tirar, dos embornais, nossos cadernos encharcados de chuva e os estendia sobre o seu fogão de lenha...
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