Minha amiga lagartixa
Todas as noites que eu me ponho a escrever – ali na sala adequada aos meus delírios burlescos, filosóficos, poéticos, ambiciosos – tenho como companhia uma jocosa lagartixa. Basta que eu acenda a luz do recinto e o calor desta atraia os insetos que se batem no vidro transparente da janela por fora, que logo a lagartixa vem banquetear-se!
Através do vidro vejo o deslizar-se de sua esbranquiçada barriga, arrastando-se em patas agarradiças na busca dos incautos insetos que vão chegando ávidos pelo calor da luz; assim imagino!
De tal forma que me distraio da escrita e fico atento a sua sabedoria – uma paralisante quietude, na tocaia da presa.
Não precisa ir-se longe: os insetos vêem ao seu alcance, como que magnetizados por sua gosmenta língua.
A lagartixa come um, come dois, três..., come insetos, até saciar-se, depois se recolhe, indiferente ao meu olhar insistente pro seu lado; não sei pra onde vai, apenas ela se vai, esconde, desaparece...
É quando então eu me sinto só! Mas, entendo que ela precisa ir-se..., nem haveria razão de permanecer, a não ser pela minha distração e indubitáveis devaneios de pensamentos.
Ela é singela, magricela, apesar de comilona! E não parece educada, uma vez que eu lhe forneço a luz que atrai o seu banquete e ela nem sequer me agradece; ou agradece, quem sabe?, quando sistematicamente balança a cabeça, num ritual que poderia ser de gratidão. Não tenho lá tanta certeza disso...
Também não importa; importa que ela exista.
Dias atrás, ainda fez-me rir: caindo da desembestada carreira na pega de um mosquito – Tibum..., lá no chão! Não demorou muito e já voltou altaneira, imperturbável, a procura de um novo sustento.
Por certo, a queda faz parte da sua rotina – na busca da sobrevivência!
De toda maneira, sou eu que devia agradecê-la, penso! A sua fome voraz poupa-me o incômodo dos mosquitos, que virão à noite perturbar o meu descanso. Não bastasse sua ajuda, sou-lhe grato pela existência – além de se fazer um colírio para os meus olhos, eu tenho a satisfação da sua companhia.
É bem isso; devemos muito de nossa grandeza às pequenas criaturas; tê-las juntas de nós e compreendê-las nos faz sentir vivos, pois quê, elas são a extensão e a razão de nossa existência.
Falo por mim: por menor que sejas, pequena lagartixa, a mim sempre parecerá grande. E por mais que eu me tenha por grande, não lhe alcançarei na sabedoria; assim sigo, aprendendo e sobrevivendo...
Enquanto escrevo, resisto à piração e aos logros da vida, na saudade do que já fui... na satisfação do que sou... e na esperança de que o envelhecer me pareça simples e aceitável.
Desculpe-me, lagartixa, por essa conversa à toa!
É que necessito dialogar com alguém, mesmo sabendo que as respostas às perguntas que me faço, nem mesmo Deus sabe – somos milhões de pessoas, nesse mundo de incompreensão.
De qualquer maneira, sigo tentando aprender a sua lição: agarrando-me às paredes da vida; que me são lisas, muito lisas; razão porque, também caio delas – Tibum!... Lá no chão!
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