domingo, outubro 30, 2011

Essas mocinhas, riquinhas, sem educação – pensou, e seguiu nos seus afazeres.

Depois do solstício de verão
 

Antevéspera de Natal. Ela ancorou-se de biquíni cavadinho nas areias da praia, de caso pensado, propensa às conquistas; falavam maravilhas de Jurerê Internacional, sendo assim: pescaria ali um peixão.

Antes, às escondidas das amigas, bronzeara o corpo no quartinho de uma manicure, na cidade de origem. Queria já chegar à praia, poderosa, com tudo em cima – como se fosse seu usufruto ali veranear.

O sol nascia e as gaivotas recolhiam na areia as migalhas, frações de peixes e crustáceos, que as ondas trouxeram do mar, naquela noite.

Ilha da magia, lugar afamado, de muitas celebridades – a pretexto da passagem de Natal e Ano Novo – brindando a vida e se banhando de champanhe francês, assim falavam, e muita fartura nos degustes e nos desfiles de barcos luxuosos pela baía.

Contaria tudo, tim-tim por tim-tim às amigas, na volta. Se é que houvesse volta, dali podia mesmo seguir pras Europas, de avião e depois na Limosine de algum milionário – vivendo seu verdadeiro conto de fada.

Estranhou que no primeiro dia, não encantara nenhum olhar – passava por despercebida – não fossem os vendedores ambulantes oferecendo coisas e tais e os catadores de lixo, quase pisando o seu bronzeado. Disfarçava-se, fazendo de conta que não se importava: eram uns recalcados, coitados, pobretões.

Um deles abaixou-se para recolher o lixo próximo a sua toalha, ou não fosse essa a principal razão, pois o dito-cujo mais a olhava com aqueles seus olhos verdes, que recolhia o lixo. Tivesse-o a carteira recheada de euros – e não ali com aquele uniforme, pobrezinho – e uma passagem a mais pra França, decerto, estaria no papo.

No segundo dia, também não agradou. Desagradou. Foi grosseira, xingou o catador de lixo, que novamente aproximou-se em demasia, para recolher os vasilhames vazios.

O coitado carregou os olhos d’água, da indignação, mas não respondeu à altura. Recente se inscrevera, para aquele trabalho, de verão. – Essas mocinhas, riquinhas, sem educação – pensou, e seguiu nos seus afazeres.

No terceiro dia, choveu, sendo obrigada a abortar seus planos; detestou a chuva, e no pensamento: xingou os céus, as nuvens e a própria sorte.

No quarto dia, depois de seguidas decepções, já lhe arriava os mastros do orgulho, era véspera de Natal, o champanhe estourava ao seu lado, mas ninguém lhe teve afeição, nem sequer ofereceram uma bicada na espumante, nenhum ricaço, nenhum moço bonito se achegou.

Ou melhor, havia um moço bonito sim, que agora a olhava à distância, com desconfiança, com o ancinho na mão – era o catador de lixo.

Na semana seguinte, nada acontecera de interessante, além daquele olhar-lince, pro seu lado – ao menos tenho um admirador – pensava, rindo de si mesma.
Foram-se os ricaços e chegaram outros mais gastões ainda, podia notar a alacridade e devaneios nos olhos deles, considerando o que fumavam e o que ingeriam com uísque e champanhes – gente vazia, essa! Caiu em si.

Na manhã seguinte pisou nos cacos das garrafas espatifadas pelas areias – que os poderosos quebravam e deixaram por lá – e feriu-se. No físico e na alma; maldizia-se, agora, envergonhada de si mesma.

Foi quando se lembrou do catador de lixo, acenou-o e ele veio, buscou água para que ela lavasse a areia antes de colocar o band-aid, que ele próprio tirou do bolso, parecendo já expert em situações parecidas.

Agora ele era mais bonito do que parecia até então. E não somente isso, tinha-o mãos afáveis, zelosas, cuidando de suas feridas, mas foi à suavidade daquela voz que mais a encantou.

Ele recolheu os cacos de vidro, pediu desculpas – ela não teria se machucado, se chegasse ali mais cedo, disse – e foi saindo, quando ela o chamou de volta. Ela é quem lhe devia desculpas.

Conversaram. Ele disse que seria seu último ano naquele trabalho, também já vendera biquínis e saídas-de-praia por ali – no último verão – era estudante, logo, logo se formaria, só cuidava de reforçar a verba para o pagamento da universidade; detestava aquela gastança à toa...

Obviamente, ela estava totalmente enganada sobre os valores das pessoas que a circundava.  Quis saber-lhe o nome, modo devolver o ban-dad, já se sentindo literalmente apaixonada. – e dizia pra si mesma: prás cucuias as Europas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário