Salvo-conduto a Nelson Rodrigues
Dagoberto tentou levantar as calças e encobrir o falo ainda em riste. A moça, sua namorada, totalmente descomposta na areia, enquanto o PM mantinha segura nas coxas dela a calcinha com a qual, depressa, ela tentava recompor-se – era a prova cabal do crime in loco –, e o outro agente com a arma tocando suas costas:
– Teje preso seu moço. Vá se vestindo. E que a moça fique como está.
Coisa nenhuma!... Lucilene meteu os pés no intruso que lhe segurava a peça íntima e se levantou, ainda que o tal tocasse em suas escancaradas sendas as obscenas mãos.
– Tira as patas daí, seu bestalhão! – disse Lucilene, enfurecida. O namorado logo se impôs também e retirou do bolso uma carteirinha significante, na época, com a insígnia da Polícia Militar. E se disse sobrinho do General. O agente podia ter dito.
– Inventa outra, malandro. Fosse você sobrinho de General, estariam num Motel cinco estrelas e não aqui!
Eram os anos da ditadura e da boa-vida do absolutismo “dos homens”; Mas em vez de se impor, o agente retrocedeu, enquanto o subalterno tratava de limpar a mão, já que Dagoberto acabara de ejacular lá na concavidade da moça, o sêmen da ledice.
– Meleca!... – disse o PM em pensamento, já indo embora.
Diga-se, sem os ambicionados trocados no bolso; era costume dos “homens da insígnia” flagrar por ali os amantes, modo subtrair desses algum “trocado” em paga não irem presos.
Tudo bem! Mais tarde os gêmeos da farda ainda flagrariam algum outro tirando sarro pelas praias do Flamengo; era praxe após intensa refrega no Cinema – que ficava de frente pro Aterro do Flamengo –, o casal completar o serviço ao som dos rumores das marés que vinham da baia da Guanabara.
E aí é que surgiam, sabe-se lá de onde, o Cosme-e-Damião no lusco-fusco das luzes que alumiavam de longe a beira-mar. Comumente via-se gente correndo ali, de calças na mão. No outro dia, lia-se na coluna do Nelson Rodrigues
– Casal apanhado fazendo coisa-feia na praia do Flamengo.
Mas quem não fazia?
A praia era o ponto de encontro dos namorados, estudantes, cujos trocados mal davam pra comer no Calabouço, dirá pra comer no Motel? Nelson Rodrigues sabia muito bem tirar proveito das coisas malfeitas, dos costumeiros arrochos (em pé) do povo em plena lotação e dos eflúvios de domingo, no Maracanã.
Vivia de zoar com a casta Sociedade Carioca e espinafrar os desmandos do entretenimento futebolístico, escrevendo com a propriedade que lhe era nata; não se podia deixar de ler, nunca, sua coluna do Jornal do Esporte – o único jornal de cor rosa que eu conheci.
Satírico dos maiores, vez em sempre se encrencava. Seu personagem, o Gravatinha, era um cartola exigente, que tinha lá as suas manias – alegrar-se e sofrer por conseqüência do Fluminense Futebol Clube. Imagino hoje Nelson Rodrigues caçando matéria para sua coluna pelas entranhas do Rio de Janeiro; notícias que lhe rendesse um bom assunto.
Render-se-ia logo ao primeiro site onde os filhos de Dagoberto e Lucilene tinham-se nus na posição côncavo-convexo, em luxuriosa animação.
E os netos desses dois, se deliciando em frente à tela.
Pois é, seu digníssimo escritor pornô, os tempos mudaram: namorados fazendo coisa-feia na praia, deixou de ser ibope; o povo deliberou-se e liberou-se, de vez. Você apenas antecipou-se ao tempo.
Dagoberto e Lucilene também.
Narrativa excelente ! Sabe que me deu vontade de ler Nelson?
ResponderExcluirAbs
Belvedere